quinta-feira, 25 de março de 2010

A todos os touros deste país!

por nuno vieira

O que mais choca em tudo isto é a hipocrisia e a cobardia de nos dizermos do século XXI e de olharmos para o lado quando agimos medievalmente. A forma como nos divertimos também avalia o nosso grau de civilização.

O politicamente correcto e eu, admito, nunca fomos grandes amigos. O que me custa, custa-me mesmo. Custa-me a ver, a engolir ou sequer a admitir. Quando penso numa tourada custa-me mesmo muito.

Podem dizer que sou mais um que quer acabar com esta tradição tipicamente ibérica, e sou mesmo! Não a suporto – um bocadinho que seja.

Por muitos ângulos que tente utilizar para enquadrar esta macabra tradição, simplesmente não a consigo compreender num país supostamente civilizado como gostamos de afirmar que somos.

A bravura! Bom se olhar por este prisma, tenho de no mínimo sorrir… Ora bem um gajo veste uma roupa garrida (e olhem que estou a ser bem simpático na terminologia) monta um cavalo, leva na mão um ferro que vai espetar nas costas do touro. Ah, e para que as coisas não corram mesmo o risco de ficar feias, vamos mas é serrar os cornos ao torro não vá o diabo tecê-las! Ora bem, pura estupidez… sem dúvida! Agora bravura não me parece… Seria bravura, isso sim, se o tal bravo entrasse na arena (até podia levar a mesma roupa garrida, sem problema), enfrentasse o touro nos olhos e lhe enfiasse o ferro no lombo, podendo o touro defender-se com aquilo que a natureza que forneceu para isso, os seus cornos! Seria na mesma muito estúpido, muito estúpido, mas agora sim, bravo!

A paixão, a aficcion! - Bem, se já atrás referi que acho uma pura estupidez espetar um ferro nas costas de um touro, por diversão, o que dizer das pessoas que aplaudem quando isso acontece? Eu também quero uma salva de palmas quando perto do natal enfio um espeto todinho dentro de um peru devidamente depenado e temperado, para o pôr a assar! Quero mesmo! Faz favor! Afinal, os riscos do peru me conseguir magoar de alguma forma são muito similares aqueles que qualquer toureiro corre quando enfia o ferro no lombo do pobre touro. Ah, já quase me esquecia: olé.

A tradição, a cultura. Estes são de facto factores importantes, não os coloco em causa, mas que raio de sociedade temos nós, que classifica como cultura, uma cerimónia de pura humilhação de um animal?!? Tantas vozes se levantaram contra o artista plástico que utilizou um cão faminto uma exposição de arte há uns meses atrás, mas continuamos nós a entender como cultural um “espectáculo” de humilhação animal? Em relação à tradição, se não continuámos com aquela de mandar cristãos ás feras numa arena há uns séculos atrás, porque manter esta?

Tenho um pedacinho de admiração pelos forcados, esses sim na exibição de valentia e coragem, mas não é suficiente para conseguir sequer suportar a ideia de uma tourada.

E reparem que tão pouco sou um defensor acérrimo dos animais, gosto de animais, é verdade, mas não sou fundamentalista – não sou vegetariano, gosto de um bom naco de carne, portanto acabo por comê-los sim. Mas não tenho por hábito gozar com eles e humilha-los antes de os ingerir. Nunca ouviram a expressão “Não brinques com a comida?” é isso que fazemos numa qualquer praça de touros, pior muito pior que brincar, é tornar essa brincadeira num “espectáculo”, pior! Torna-la num “espectáculo cultural”.

Dir-me-ão que o touro não tem sentimentos, tem instintos – que aquilo que é feito na arena é provocar o instinto do touro e não humilhá-lo – possivelmente têm razão – o touro não deve perceber se está a ser humilhado ou não, se existem outros a assistir à humilhação ou não, a ele, provavelmente, tudo isto lhe passa ao lado. O problema em tudo isto não é aquilo que o touro sente, é aquilo que nós sentimos ao sermos cúmplices de um “espectáculo” desta natureza – é aquilo que afirmamos enquanto povo, é aquilo que queremos transmitir e ensinar a uma qualquer geração.

O que mais choca em tudo isto é a hipocrisia e a cobardia de nos dizermos do século XXI e de olharmos para o lado quando agimos medievalmente. A forma como nos divertimos também avalia o nosso grau de civilização.

A única coisa que me apraz registar neste momento, é um voto sincero de boa sorte a todos os touros deste país – eles sim os verdadeiros heróis de uma tourada.

Nuno Vieira, Quinta, 12 de Junho de 2008 às 9:16

Fonte: http://quiosque.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ae.stories/10164

segunda-feira, 22 de março de 2010

O que eles querem é tortura, sangue e morte?

A falta de resposta a quem é contra o tema...

Na passada sexta feira, a RTP-Açores transmitia a Estação de Serviço, quando decidi participar já que a pergunta de partida era se a tauromaquia seria um bem a preservar. Sendo eu, totalmente, contra e farta da argumentação da maioria dos aficcionados ser a de "não gostam de touradas mas comem um bife" comecei por me identificar como vegetariana. Desde logo o caríssimo José Parreira começou a movimentar a sua cabeça em gesto de negação...percebi por este gesto e pela cara do jornalista que o meu tempo de antena seria curto...era visível que aquele programa era somente para aficcionados.
Das questões lançadas, nenhuma foi respondida...faltava o tempo! O único comentário que tive foi simples e curto, muito à moda, da superioridade de muitos aficcionados. "Respeitamos todas as opiniões mas não podem querer proibir de fazer o que gostamos".
Por responder ficaram questões como: As quantias que são aplicadas nestes eventos quando um país pedia contenção a toda a população; a crescente consciencialização a nível mundial em relação ao sofrimento do animal; se o digníssimo José Parreira achava que o animal não sofria; Se ele não tinha achado notória o grande envolvimento dos açorianos contra a sorte de varas; Porque não touradas sem sangue...
Meus caros, eternas questões que ninguém me responde...

A S

quarta-feira, 3 de março de 2010

Gabriela Bandarilhas e Canela - TSF



"O que é que fez a nossa Gabi que vale uma crónica no Tudo de Ensaio?"

Bruno Nogueira sobre a criação da Secção de Tauromaquia, oiça clicando no link


"a nossa Ministra adora touros só que gosta mais deles com bandarilhas no lombo "

Morrer como um Touro


O Ministério da Cultura resolveu criar uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura a pretexto de que lidar touros seria uma tradição cultural portuguesa a preservar. Mas a tradição é mais antiga, do tempo em que humanos e animais lutavam na arena para excitar os nervos da multidão com o sangue e a morte anunciada. A piedade, que é um valor mais antigo do que Cristo, veio, na sua interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais.

Há um momento nas touradas em que o touro, muito ferido já pelas bandarilhas, o sangue a escorrer, cansado pelos cavalos e as capas, titubeia e parece ir desistir. Afasta-se para as tábuas. Cheira o céu. Vêm os homens e incitam-no. A multidão agita-se e delira com o sangue.

O touro sabe que vai morrer. Só os imbecis podem pensar que os animais não sabem. Os empregados dos matadouros, profissionais da sensibilidade embaciada, conhecem o momento em que os animais “cheiram” a morte iminente. Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido.

A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou

Os toureiros têm pose que se fartam (e com a qual fartam toda a gente). Pose de hombre, pose de macho. Mas os riscos que de facto correm são infinitamente menores que a sorte que inevitavelmente espera os touros, que o sofrimento e a desorientação que infligem aos touros para o seu próprio prazer e o da multidão. Dá vontade de dizer que quem se porta assim, quem mostra orgulho de se portar assim, tem entre as pernas, e não apenas literalmente, órgãos bem mais pequenos que aqueles que os touros exibem. Os toureiros são corajosos mas entram na arena sabendo que haverá sempre quem os safe, senão à primeira colhida, então à segunda. Às vezes aleijam-se a sério e às vezes morrem, o que talvez prove que os deuses da Antiguidade são justos, vingativos e amigos de todos os animais por igual. Os touros, esses, não têm ninguém que os vá safar em situação de risco, estão absolutamente sós perante a morte. Querem os toureiros ser hombres até ao fim? Experimentem ser tão homens como eram os homens e os animais na Antiguidade: se ficarem no chão, fiquem no chão. Morram na arena. É cultura. A senhora ministra da Cultura certamente compensará tão antigo costume.

Também era da tradição, em Portugal por exemplo, executar em público os condenados, bater nas mulheres, escravizar pessoas. Foi assim durante milénios. Ninguém via mal nenhum nisso a não ser, confusamente, com dúvidas, as próprias vítimas. Até que a piedade, na sua interpretação moderna e laica, acabou com tão veneráveis tradições.

Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?

Paulo Varela Gomes (Historiador), “Cartas do Interior”
in Público, 27.02.2010, P2, p.3.